LETRAS
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POEMA DOS NÁUFRAGOS TRANQUILOS
Carlos Alberto Moniz/Emanuel Félix
Somos herdeiros dos quatro ventos
Sem uma vela para lhes dar
Temos amarras e temos lenços
Num cais de pedra para acenar.
Somos herdeiros da maresia
Que salga os olhos de olhar o mar
E temos rios de lava fria
Que se recusam a desaguar.
Somos herdeiros de uma lembrança
De tesouros afundados
E arpoamos a esperanca
Na nossa morte reclinados.
Somos herdeiros de um rombo aberto
No nevoeiro secular
Tranquilos náufragos do incerto
Vamos morrer no mar.
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4. CAMPONÊS DOS CAMPOS DE ÁGUA
Carlos Alberto Moniz/Manuel Alberto Valente
REFRÃO
pescador, sou pescador
feito de barcos e remos
nem sempre a rede vem cheia
dos sonhos que nós queremos
por dentro do mar avanço
quando a noite se perfila
mas à esperança que me cansa
não vêm outros abri-la
ferido pelo vento
exposto à tempestade
eu sou um camponês
dos campos de água
e no meu rosto as rugas sem idade
lembram um mapa desenhando a mágua
e eu sou o camponês dos campos de água
(REFRÃO)
sou de um país nascido,
ao rés da areia
sou de um país perdido
ao som do mar
quando virá da sorte a maré-cheia
se nem Abril me trouxe outro cantar
e eu sou o camponês dos campos de água
(REFRÃO)
pescador sou pescador
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7. FADO DOS AÇORES
Carlos Alberto Moniz/José Carlos Ary dos Santos
Já nascem as belas-donas já estão
Na cinza dos meus cabelos Outono
Chove dentro do meu coração
Cerrado que não tem dono
Cerrado que não tem dono Outono
Coração de pedra queimada marcada
Por tantas noites sem sono
À espera da madrugada
REFRÃO
Tirando as aspas dos olhos
Do grande mar da minha distância
As aspas dos ananases
São as espadas da minha infância
São as ilhas dos Açores
A ilha dos meus amores
E o azul a que pertence
O azul dos olhos, a cor das hortenses
Lonjura da minha ilha presente
Na dor duma rosa emigrada resiste
Lava lavando a alma da gente
Vulcão dum homem triste
Vulcão duma ilha deserta de mim
Desde que te foste naquele vapor
Menina / do Mar sem fim
Cercada, por água amor
REFRÃO
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10. MAR ABERTO
Carlos Alberto Moniz/Carlos D’Paiva
Eu mato a minha sede
No mar azul e verde
Bebendo longos tragos
Em barcos naufragados
Ao largo da Saudade
Eu mato a minha fome
No mar que nunca dorme
Nas ondas que revezam
Nas vagas que desprezam
A vida de quem parte
REFRÃO
Mato e morro
Largo e mordo
Sou anzol e sou engodo
‘Té de coisas que não vês
Mar aberto
Longe, perto
Eu naufrago, eu navego
‘Té chegar a minha vez
Eu morro de canseira
Do canto da sereia
Além da foz do Tejo
A bordo do desejo
Que tenho de ser tudo
Eu morro na areia
No ventre da baleia
Do monstro de cor branca
Dos sonhos de criança
A dar a volta ao mundo
REFRÃO
Vai chegar a minha vez
Já chegou a minha vez…
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13. PESCADOR DE SAN DIEGO
Carlos Alberto Moniz/Vasco Pereira da Costa
trazia o mar nos olhos marejados
duma negra montanha do outro mar
cinzas do Pico névoas dos cerrados
O sal alma das águas a sulcar
cinzas do Pico névoas dos cerrados
O sal alma das águas a sulcar
nos pulsos uma força a pulsar
e na arca do peito ansias de peixe
sismos de luta lava celular
no barco as cordas são nervos em feixe
sismos de luta lava celular
no barco as cordas são nervos em feixe
insolência de sangue que eu sei bem
vagas Picarotas de desassossego
sangue de magma e lume meu também
A escorrer nos arpões em San Diego
sangue de magma e lume meu também
A escorrer nos arpões em San Diego
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16. CARTA DE JOE SIMAS
Carlos Alberto Moniz/Marcolino Candeias
Recebi carta hoje.
From: Joe Simas
San Francisco P.O. Box 87
California 90405
United States of America
Fala-me de muitas coisas.
Manda-me um abraço grande
como o seu coração.
E conta-me sobretudo
coisas que não se contam
Sua carta diz-me pura e rica
como a sua voz
de mechins para tudo
de chtoas e de tães
do Chinatão à noite
e de Frank Soisa
nas Festas de Gastinas.
Que o vale de São Francisco
é um céu incanado
Conta-me de brigas
notícias de Norioque
que veio na talaveija
e os papeles troiveram
de fitas faladas
que viu em amaricano
àkcidentes no far-uei
charefas leitarias
e diz que na América
o passadio é outro.
E fala-me ainda de muitas porquidades
por aquela América
sem pontos sem vírgulas e jamais acento
em sua aventura.
Joe Simas
San Francisco Valley.
Vale de São Francisco
onde não há paredes
e o sonho ribomba
pela campina fora.
Sua carta conta-me coisas
que só visto
e com amizade termina
em bolinhas e cruzes.
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2. AVÉ SARDINHA
Carlos Alberto Moniz/Álamo Oliveira
avé sardinha
muito enlatada
sardinha macho
cheia de graça
prato na mesa
gabo-lhe o gosto
vou de traineira
sempre convosco
REFRÃO
avé sardinha
cheia de graça
o preço aumenta
na nossa praça
avé sardinha
cheia de graça
o preço aumenta
na nossa praça
não temo nada
como caracóis
exalto o canto
bendita sois
dispenso ementa
e os talheres
como à mão
entre as mulheres
REFRÃO
chupo nos dedos
às calças enxugo
nada na manga
bendito o fruto
arrôto seco
(arroto sempre)
sardinha macho
no vosso ventre
REFRÃO
santa sardinha
mãe de nós todos
a lata é minha
a chave é doutros
rogai por nós
Oh meus senhores
quem vai à bruxa
são pecadores
REFRÃO
não há quem faça
e a gente chora
caíu a taça
da nossa hora
noite de azia
vómito forte
sardinha macho
da nossa morte
REFRÃO
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5. O CANTO DAS SEREIAS
Carlos Alberto Moniz / Liliana Lima
Onde foi que te perdi?
Como foi que me encontrei?
Este mar que nos banhou
Duas ilhas desnudou
Este mar que nos banhou
Em que vaga do mar renasci?!
Sigo a luz da lua nova
Danço com o pôr-do-sol
Nú e descalço na areia
Vejo o tanto que mudei
Nú e descalço na areia
Em que vaga do mar renasci?!
Que praia te aconchegou?
Em que porto acordei?
O canto das sereias lê
O conto que o mar levou
O canto das sereias lê
Em que vaga do mar renasci?!
Guardo o coração na voz
nos olhos a vida inteira
A luz do meu farol
nasce desta fogueira
A luz do meu farol
Em que vaga do mar renasci?!
nasce desta fogueira
A luz do meu farol
Em que vaga do mar renasci?!
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8. AS PRIMEIRAS ILHAS
Carlos Alberto Moniz/José Jorge Letria
Ao largo do oceano
ficavam ilhas desertas
espaços de verde e vento
na rota das descobertas
Foram escudeires do Infante
que se fizeram ao mar
apontando novas terras
nas cartas de marear
Com Tristão Vaz Teixeira
foi João Gonçalves Zarco
e avistaram Porto Santo
da amurada do seu barco
E Bartolomeu Perestrelo
juntou-se a Zarco e Teixeira
e gritaram “Terra à vista”
frente a ilha da Madeira
Lançados padrões em terra
fundaram capitanias
semearam vinha e trigo
descansaram alguns dias
Depois Diogo de Silves
com outros descobridores
aporta as primeiras ilhas
do que chamaram Açores
Do que por lá encontraram
vogando em mar bonançoso
viria a falar o livro
que fez Gaspar Frutuoso
No novo arquipélago
há cereais abundantes
e gado com fartura
nas pastagens verdejantes
Nas Ilhas do Atlântico
fizeram os barcos aguada
para encontrarem mais longe
nova terra anunciada
E o longe se faz perto
nessas andanças do mar
veio a ilha, o Continente
tanta história para contar
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11. POEMA DA MALTA DAS NAUS
Manuel Freire/António Gedeão
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das prais
arreneguei, roguei pragas,
mordi pelouros e zagaias.
Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
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14. AI QUE SAUDADES
Carlos Alberto Moniz/Inês Fonseca
Ai que saudades que eu tenho
Do sabor de Cabo Verde
A grogue, a mar e a mornas
Que compõem Cabo Verde
A costa feita de espuma
Plantou dez flores no chão
Ai Saudades do Mindelo
Do Fogo e de Santo Antão
REFRÃO
Já vi
A areia clara do Sal
A malagueta da Praia
E guardei na minha mão
O Pico
Tão meu, mas de Santiago
E o mar que une as ilhas
À imaginação
Ai que saudades que eu tenho
Das manhãs, do povo quente...
De ver a Gâmbia e Guiné:
Vizinhos de Ocidente
Esta memória pintada
Nasceu do crer mas sem ver
Porque a verdade é que eu
Nunca estive em Cabo Verde
(REFRÃO)
LETRAS
3. SE VIERES À ILHA COMO DIZES
Carlos Alberto Moniz/Álamo Oliveira
Se vieres à Ilha como dizes
traz a manhã no teu colo de mulher
verás que as garças são agora mais felizes
que há no teu povo um desfolhar a bem-me-quer
Se vieres não vistas de tristeza
a nossa lava está coberta de verdura
há pão de versos de Nemésio sobre a mesa
uma rosquilha num abraço de ternura
REFRÃO
Meu amor minha ilha tão achada
no mar do peito por marujo de alfenim
Lira de água pela bruma encantada
que um poeta cantará dentro de mim
Se vieres vem já de amor perfeito
que a nossa ilha é um povo de alegria
e traz hortências de amizade no teu peito
o nosso amor está na jarra da poesia
se vieres não bailes sapateia
deixa a saudade na banqueta lá da frente
quantas Charambas são a voz da lua cheia
cantando a ilha encanteirada desta gente
REFRÃO
LETRAS
6. MINHA ILHA, MINHA IRMÃ
Carlos Alberto Moniz/Álamo Oliveira
Agora que te espero com cansaço
com a tarde no regaço
digo Ilha digo corpo
e escrevo esta canção feita de sal
e não sei qual
o verso que hei-de dar a este po..vo
REFRÃO
E sinto o bater do coração
na minha mão
e digo meu amor como de novo
E sinto o bater do coração
na minha mão
e digo meu amor como de novo
Agora que te quero sempre sempre
como à terra a semente
como a brisa ao teu cabelo
não sei se este amor é este rio
ou se é o fio
que eu dobo com ternura em novelo
REFRÃO
gora que te aperto no meu peito
sinto que não tenho jeito
para dizer-te vem por bem
mas sinto a liberdade dentro em nós
e a nossa voz
é esta sebe cheia de manhã
REFRÃO
LETRAS
9. NUNO BETTENCOURT
Carlos Alberto Moniz/António Bulcão
REFRÃO
No Poço da Areia nasceu
E em menino brincou
Fez castelos, e cresceu
Na areia que o mar não levou
Na areia que se aguentar
Mais dedos hão-de crescer
Quando o menino brincar
castelos, fará nasscer
Já não é dream
Pois foi Extreme
Não mais parei
São só acordes
E more than words
Que eu inventei
Corri o mundo
Com prego ao fundo
Tanto vivi
Procuro a brasa
Que é a casa
Onde nasci
REFRÃO
Um grão de areia
Na maré cheia
É toda a praia
E a Vitória
Uma memória
Que nunca caia
Canta, cagarra,
Com a guitarra
A acompanhar
Procura a casa
Com a tua asa
Hei-de voltar.
REFRÃO
No Poço da Areia brincou...
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12. DUETO DOS AMANTES NO MAR
Carlos Alberto Moniz/Luiz Fagundes Duarte
Eu fui ao mar, mergulhei,
Fui até não poder mais.
E tu ficaste no cais
Foi assim que te deixei.
Mas quando à tona voltei
Não eras tu quem lá estava,
Toda profeita e rosada:
Foste ao mar e mergulhaste,
Não mintas, que eu bem te vi.
Fiquei sozinha pr’àqui
Nem sequer p’ra mim olhaste…
Mas quando enfim regressaste
Não eras tu que ali vinhas,
Olhos negros, faces minhas…
Era alguém que eu tinha visto
Nas profundezas do mar…
Pus-me então a meditar
Nas coisas do imprevisto,
E deparei-me com isto:
Não eras tu quem lá estava,
Toda profeita e rosada.
Vinhas com olhos de ver
Coisas que eu nunca verei.
Olhaste p’ra mim, pensei,
Que era coisa pr’a esquecer
Mesmo à hora de morrer:
Não eras tu que ali vinhas,
Olhos negros, dores minhas…
Voltei costas, mergulhei
Até ao fundo do mar.
Comecei a procurar,
Aquilo que tanto busquei,
E entre as rochas te achei:
Eras tu quem lá estava,
Toda profeita e rosada…
Foste ao mar e mergulhaste,
Mergulhei atrás de ti
E nas rochas me escondi.
Vi então que procuraste
E que depressa me achaste:
Não eras tu, que ali vinhas,
Olhos negros, luzes minhas…
Mas eras tu quem lá estava,
Eras tu quem ali vinha:
Toda perfeita e rosada,
Olhos negros, alma minha...
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15. TRAGO DENTRO DO MEU PEITO
Carlos Alberto Moniz/Ana Zanatti
Trago dentro do meu peito
A paixão da liberdade
Um amor quase perfeito
E um vendaval de saudade
Trago esperanças trago dores
Que embalei no meu passado
Velas brancas e amores
Xailes negros e um trinado
Na memória trago a espuma
Das ondas do mar zangado
De um rei perdido na bruma
E um não sei quê, que é o fado
Trago mastros rumo ao céu
Que me apontam o futuro
E uma fé que Deus me deu
Para atravessar qualquer muro
Trago um mar cheio de estrelas
Que iluminam profundezas
Águas – vivas, caravelas
E uma alma portuguesa
E nos meus olhos acesos
Pela chama do teu olhar
Só não trago a tua mão
Porque tu não ma queres dar
Trago um mar cheio de estrelas
Que iluminam profundezas
Águas – vivas, caravelas
E uma alma portuguesa.